Por VLADIMIR SAFATLE
Desde o dia 15 de maio, as praças nas cidades espanholas foram tomadas por jovens manifestantes. As imagens parecem evocar as megamanifestações egípcias na praça Tahrir, com seus acampamentos e sua insistência.
As exigências não são muito diferentes: revolta contra um processo econômico de pauperização social e concentração de riquezas, exigência de uma reinvenção democrática que nos leve para além dos limites da democracia liberal com (no caso espanhol) o velho sistema de dois partidos que se alternam no poder: o da direita descomplexada e o da esquerda envergonhada.
No entanto a Espanha foi às urnas no domingo, dando a vitória ao direitista PP. Como explicar o paradoxo de um país assolado por megamanifestações juvenis, mas que vota em um partido cuja plataforma eleitoral representa apenas o aprofundamento dos princípios econômicos que geraram a crise que deixou a Espanha de joelhos?
Talvez seja o caso de lembrar que vemos um profundo hiato entre as opções eleitorais e as expectativas de mudança cada vez mais presentes nas massas europeias (já vimos cenas parecidas em Portugal e na Grécia). Este é o resultado da ausência de uma "terceira geração" de partidos de esquerda.
A primeira geração foi marcada pela polaridade entre partidos sociais-democratas e partidos comunistas. A partir dos anos 1980, grandes partidos comunistas (como o italiano e o francês) entraram em colapso. Uma "onda rosa" social-democrata invadiu a Europa com Tony Blair, Gerard Schroeder, Lionel Jospin e resultados sociais vergonhosamente pífios. Estes dois modelos de partidos esgotaram-se.
A segunda geração foi marcada pelos partidos verdes e por alguns partidos libertários que nasceram no bojo das exigências emancipatórias de maio de 68.
Hoje, os partidos verdes são, cada vez mais, partidos de centro que fornecem a roupagem ideológica para a nova aliança entre um sistema financeiro embalado pela "bolha verde" e a má consciência de uma classe média que prefere não ouvir falar em conflito de classe. Dos partidos libertários, não sobrou sequer rastro.
Falta, pois, um terceira geração de partidos ou agremiações de mobilização eleitoral capazes de dar representação política a uma massa disposta a lutar pela efetividade de princípios reguladores como igualdade e liberdade social.
Liberdade que não seja bloqueada pela transformação do Estado em ambulatório de bancos falidos embalado pelo discurso do caráter inevitável do desmonte de sistemas elementares de seguridade social. Enquanto este passo em direção à institucionalização da revolta não for dado, giraremos em falso.
WLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras na Folha de São Paulo.
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