Que polícia é essa? (Publicado em 03.02.2011)
JC mostra vídeo no qual PMs humilham presos em delegacia ao secretário de Defesa Social, que garante tomar providências
João Valadares/jotavaladares@gmail.com
“Passa uma língua na outra, vai. Bota a língua para fora, rapaz. Que coisa linda o casal.” A ordem é emitida por policiais a dois suspeitos, presos numa delegacia. Humilhação, preconceito e homofobia com carimbo oficial. No filme da vergonha, postado na internet, o massacre moral vai além. Os detidos são chamados de macacos e obrigados a dizer que se amam por agentes do Estado. Um policial de capuz, com a farda do Batalhão de Radiopatrulha, aparece ao fundo. Na manhã de ontem, o JC mostrou as imagens ao secretário de Defesa Social, Wilson Damázio. Visivelmente constrangido, disse que não tinha conhecimento do vídeo, postado em julho do ano passado, e assegurou que todos os envolvidos serão identificados, submetidos ao rigor da Corregedoria para que sejam responsabilizados e expulsos da corporação. O caso veio à tona no momento em que uma ação desastrosa da Polícia Militar, na qual um cinegrafista amador conseguiu flagrar dois suspeitos de assalto sendo torturados, à beira-mar de Piedade, Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife, ganhou o Brasil e envergonhou Pernambuco.
Logo no início, a ordem é clara. “Encostado, vai.” Humilhado, um dos suspeitos se aproxima do outro e encosta a boca nele. A sessão de tortura psicológica não para. A risada dos policiais é combustível para a humilhação continuar. Não satisfeitos, determinam que os dois se beijem novamente. Vários celulares filmam tudo. “Os dois. Coloque a língua.” No fim, uma nova determinação. “Não vi não. Novamente, vai. Passa uma língua na outra.” Na página do You Tube - site de compartilhamento de vídeos, muitos usuários deixaram comentários aplaudindo a prática policial. Um deles diz que os policiais merecem aumento de salário. Outros repudiaram.
O caso não é isolado. Em 2008, o Jornal do Commercio denunciou que policiais da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) também obrigaram dois suspeitos a se beijarem. “Bora, beija de língua”, ordena. Entre um beijo e outro, o policial pede para que eles cantem o refrão “a Rocam é f..” O mesmo verso é ouvido em outro vídeo, também postado em 2008 e divulgado pelo JC.
REAÇÃO
Ontem, o coordenador-executivo do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares, Manoel Moraes, demonstrou indignação depois de assistir às cenas. “Isso é tortura. O preconceito está presente. Eles são chamados de macaco. Reforça raízes de uma sociedade escravocrata. Você destrói a identidade cultural do outro. Nada contra o beijo de duas pessoas do mesmo sexo, mas ali existe a clara tentativa de constrangimento moral.” Ele cobrou rigor nas investigações.
O diretor Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, Fernando Mattos, foi além. “Esse tipo de prática reforça a necessidade da implantação do controle externo da atividade policial e da criação do Mecanismo Nacional Preventivo contra a Tortura.”
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Pernambuco (OAB-PE), Henrique Mariano, lamentou o episódio. “Obrigar os dois presos a passar por essa situação não tem relação com o crime cometido. Fica claro que é apenas um abuso de autoridade baseado na certeza da impunidade.”
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