Clovis Rossi, na Folha de São Paulo - 18/11
LONDRES - A crise irlandesa, talvez mais que qualquer outra, é uma contundente demonstração de que há algo de profundamente errado no capitalismo de predominância financeira.
A Irlanda cresceu uma barbaridade de 1995 a 2007 (6% ao ano na média). Cresceu em boa medida ao amparo de um "boom" imobiliário. Aí veio a crise de 2008 e seus bancos quebraram, todos. Haviam financiado descuidadamente construtoras e compradores.
Consequência, para resumir a história: o governo estatizou os prejuízos da banca, mas manteve privados os lucros, o que é, de resto, história recorrente na crise de 2008. Contando todos os tipos de ajuda, inclusive as europeias, formaram uma colossal pilha de 286 bilhões (R$ 672 bilhões), uns 170% do PIB irlandês.
Cada cidadão doou aos bancos, involuntariamente, 63 mil. Uma barbaridade.
Claro que as contas públicas -deficit e dívida- estouraram sem contemplação. O deficit só das operações normais do governo já é brutal (12% do PIB). Contando a ajuda à banca, vai a incríveis 32%.
Agora vem a cobrança. Os próprios mercados que financiaram a farra elevam brutalmente o juro que exigem para rolar os títulos da dívida, ameaçam quebrar o país e, por extensão, danificar seriamente (ou fatalmente) o euro, a segunda moeda de reserva do planeta.
Os engenheiros de obra feita ainda ficam dizendo que os irlandeses é que são culpados, porque consumiram demais. É verdade, mas o capitalismo não é, essencialmente, consumo? Toda a propaganda, no mundo inteiro, pede, exige, insinua que bom sujeito não é quem não consome. Para consumir, é preciso renda e crédito, mais crédito que renda.
Os irlandeses foram, portanto, capitalistas até o mais fundo d'alma. Agora, o capitalismo ameaça devorar o bom aluno. Cruel.
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