Por Sérgio Xavier, no seu blog, durante as eleições de 2010, quando era candidato ao governo de PE. Hoje Sergio é o secretário de Meio Ambiente do governador reeleito Eduardo Campos.
Nos anos 90, com Chico Science e Fred Zeroquatro, Pernambuco se notabilizou com o movimento MangueBeat, arte inspirada na diversidade e importância dos nossos manguezais. http://bit.ly/b5SZU7
Agora, desejando cobrir de concreto o imenso manguezal de Suape, o Governo do Estado lança o que podemos chamar de MangueBrita.
É o velho poder econômico varrendo o bom senso e impondo caminhos sem qualquer imaginação, sem sequer avaliar se não há alternativas mais inteligentes, equilibradas e também lucrativas.
Assusta constatar que planejadores e gestores governamentais sempre optam por saídas baseadas na exclusão. OU fábricas OU mangues. OU pescadores OU técnicos. OU pequenos agricultores OU gerentes de indústrias. Nunca passa pelas suas cabeças mecanicistas a idéia de que é possível somar, integrar, e ter tudo isso ao mesmo tempo: fábricas, mangues, agronegócios, matas, turismo, rios, assegurando espaços para pescadores, doutores, operários, comerciantes, agricultores, cidadãos de hoje e gerações futuras.
Se observassem a riqueza equilibrada do próprio manguezal perceberiam que o segredo da sua vitalidade é exatamente a complementaridade, a convivência colaborativa, a megadiversidade, o funcionamento sistêmico. Se a natureza é tão perfeita, porque não seguir seu exemplo? Em vez de matar o mangue seria mais inteligente aprender com ele, imitá-lo na economia e aproveitar sua riqueza com sabedoria e sensibilidade.
Talvez esses tensos senhores estejam precisando descontrair, pegar uma praia, tomar uma cervejinha gelada, ouvir boa música e pensar melhor:
“Uma cerveja antes do almoço é muito bom, pra ficar pensando melhor”, Chico Science e Nação Zumbi
MAR DE CONCRETO
O Projeto de Lei Nº 1496/2010 ( http://bit.ly/afcWcg ), proposto pelo governador Eduardo Campos, visando desmatar 1.076 hectares de mangues e matas nativas no porto de Suape (quase 11 milhões de metros quadrados) foi aprovado esta semana pela Assembléia Legislativa, mesmo com parecer contrário da Comissão do Meio Ambiente http://bit.ly/d234s8 .
Entre os 40 deputados presentes, apenas 11 votaram contra, entre eles, Lucrécio Gomes, do Partido Verde (PV) http://bit.ly/aO30nK
Nas negociações pelos votos dos parlamentares, sem maiores explicações, o governo anunciou redução do desmatamento do mangue: de 893 para 508 hectares – 385 hectares a menos que a proposta inicial. Com essas mudanças, decididas em reuniões fechadas, sem apresentação de estudo consistente ou justificativa pública, fica uma grande dúvida sobre a real necessidade e viabilidade do megadesmatamento. Se 385 hectares não precisam ser devastados por que estavam inseridos na lei? E como esta parte minoritária conseguirá sobreviver desmembrada dos 508 que serão extintos? Será que não é apenas um jogo para destruir tudo depois?
“PV reage à aprovação de projeto na Alepe” http://bit.ly/clk1Mr
O texto original revela a total falta de compromisso socioambiental do governo. São 13 páginas listando friamente as áreas a serem desmatadas, apenas 6 linhas citando burocraticamente as “compensações ambientais” e nenhuma palavra, isso mesmo, zero, sobre os impactos e as possíveis compensações sociais. Sabemos que na região existem comunidades que vivem da pesca, que serão diretamente afetadas com a supressão radical dos manguezais, mas a Lei não dá a mínima atenção a isso.
SUAPE E O MITO DO CRESCIMENTO A TODO CUSTO
É hora de abrir um debate transparente sobre o papel de Suape no desenvolvimento de Pernambuco. Há muita propaganda, mas a realidade mostra-se menos generosa. Como explicar que em meio a tantos investimentos, que atingem bilhões de dólares, o município de Ipojuca, que sedia o complexo, tem mais de 32% de analfabetos, 61% com renda familiar abaixo do mínimo e 64% sem saneamento? Algo está errado. O “crescimento econômico” não está gerando o desejável desenvolvimento social.
Portanto em vez de praticar mais devastação o governo precisa realizar as compensações socioambientais pendentes, prometidas, formalizadas e nunca implementadas, e construir, junto com a sociedade, um plano consistente de inclusão social e sustentabilidade ambiental. Somos favoráveis à instalação de novas empresas em Suape, mas é plenamente possível que isso seja feito preservando nosso patrimônio natural. Em vez de trocar um grande mangue, uma grande “fábrica natural”, por outra artificial, queremos garantir as duas coisas: as fábricas e os mangues. Esta é a tendência do mundo desenvolvido no século 21: a convivência pacífica e harmoniosa da economia com a ecologia e o social. Este é o desenvolvimento sustentável que tanto defendemos.
Não queremos apenas barrar a devastação, nosso desejo é formular um ecoplanejamento para transformar Suape em um modelo de convivência equilibrada de todas as vocações da região: turística, residencial, histórica, ambiental, portuária e industrial. Não podemos olhar só para uma dessas vocações e comprometer as demais. Não podemos destruir uma “fábrica” natural de peixes, crustáceos e outros inúmeros “bioprodutos”, que têm valor ecológico, econômico e social, para colocar no lugar um negócio que pode beneficiar uns poucos e prejudicar muitos, hoje e no futuro. E que é irreversível do ponto de vista ambiental e, por isso, condenável do ponto de vista ético. Como nos ensina o mangue, é preciso estudar formas de obter todas as coisas simultaneamente, de uma forma onde todos participem e sejam beneficiados, garantindo o bem comum.
SUAPE SUSTENTÁVEL
Há poucos dias, sobrevoei o complexo de Suape com a senadora Marina Silva (PV-AC), e o ex-presidente do Ibama, Bazileu Margarido. Registramos imagens aéreas, coletamos dados e estamos reunindo informações com especialistas de diversas áreas do conhecimento para propor um modelo de desenvolvimento sustentável para o complexo industrial e portuário (é lamentável que o governo com tanta estrutura e recursos não esteja fazendo isso). Os verdes querem discutir formas de instalar novas empresas em Suape e em outros pontos do Estado, descentralizando e interiorizando a geração de oportunidades, sem comprometer ainda mais o equilíbrio socioambiental do nosso Estado. As intervenções realizadas anteriormente em Suape já geraram reflexos muito graves, como a mudança de hábitos dos tubarões, que migraram para Boa Viagem (já mataram dezenas de pessoas e afetaram o turismo), e a erosão na orla de Jaboatão. Precisamos evitar novas tragédias ambientais.
DEBATE EM VEZ DE DESMATE
A Lei foi aprovada, mas a luta para garantir a instalação de empresas sem acabar com os mangues, rios e matas não está perdida. Antes do desmate é fundamental o debate. A força da sociedade é maior que os encaminhamentos burocráticos de um Governo e de uma Assembléia, feitos sem apreço pela transparência e pela discussão profunda. Impressionam a superficialidade e ligeireza das discussões e a falta de argumentos convincentes para tamanha devastação. A “Lei do UltraDesmatamento” tem aspectos muito preocupantes. Seguem alguns:
- Não considera impactos socioeconômicos sobre as comunidades locais
- Não tem base em EIA/RIMA atualizado, portanto não se sabe, por exemplo, onde vai explodir a força das marés, se estas forem desviadas do vai-e-vem natural da área estuarina (vão bater ainda mais na orla de Jaboatão? Quem sabe?)
- Não considera outras potencialidades econômicas da região, como Pesca e Turismo (nem considera o valor econômico e financeiro do próprio mangue vivo, que pode ser objeto de projeto de compensação de carbono)
- O histórico de Suape mostra que nunca são realizadas as prometidas compensações socioambientais (o que se vê é o oposto)
- Não são apresentados dados que mostrem resultados socioeconômicos (desenvolvimento humano imediato) que demonstrem “compensar” tamanha destruição (os indicadores sociais de Ipojuca são uma prova de que o “crescimento econômico” não está se traduzindo em melhoria de vida das pessoas: Enquanto Pernambuco tem 24% de analfabetos (um numero assustador), Ipojuca é ainda pior: tem 32% de analfabetos, 65% sem saneamento e 61% com renda familiar abaixo do salário mínimo (e ostenta um dos piores IDHs – Índice de Desenvolvimento Humano do Estado).
- Falta total de transparência do governo. Ninguém sabe como será o projeto de expansão, não foi divulgado o novo plano diretor. Estudos sobre os problemas do complexo (realizados recentemente por instituições internacionais) estão engavetados. O governo aparece mais preocupado em defender o interesse das empresas do que o grande interesse público.
- Além disso, não sabemos o quanto de investimento público está sendo aplicado nesta operação. Certamente estes recursos seriam melhor aplicados em um grande programa de descentralização da industrialização, com incentivos a projetos com tecnologias sustentáveis.
- A indústria naval é um setor muito problemático no Brasil, cujo futuro é uma interrogação. Há estaleiros abandonados no Rio e em outros lugares.
Por tudo isso, avançaremos nesta luta com muita firmeza. Queremos Pernambuco como modelo de desenvolvimento inovador e sustentável e não como referência do velho modelo econômico, baseado no crescimento a todo custo, na exclusão e na degradação ambiental.
Hora de resgatar o conceito-mangue e avançar por novos caminhos!
“Da lama ao caos, do caos a lama…
Ô Josué eu nunca vi tamanha desgraça
Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”, Chico Science e Nação Zumbi
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