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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Economia e política na fila do caixa eletrônico

Por Edilson Silva

Neste final de ano reencontrei um companheiro, ex-dirigente sindical, conhecido de longa data, que há tempos não via. Encontramo-nos, por acaso, numa fila de caixa eletrônico num shopping. Como acontece quase sempre comigo, as pessoas puxam assuntos ligados à política. Após os cumprimentos, ele passou a criticar as opções da população no processo eleitoral, dizendo que o povo não tinha consciência do voto.


Retruquei-o, sacando uma máxima marxista: é a existência que determina a consciência. Pedi a ele que observasse bem à sua volta, o shopping lotado, filas nos caixas eletrônicos, nas escadas rolantes, pessoas com sacolas, filas no estacionamento, o consumo em alta e a economia girando. Puxei-o para perceber que são estes fatores que determinam a consciência política resultante e hegemônica numa sociedade.


Lembrei a ele que durante a ditadura militar mais recente no Brasil, enquanto a economia encontrava-se estável, gerando empregos e adubando otimismo na população, a sua grande maioria não queria saber se tinha ou não democracia, se tinha ou não seres humanos sendo assassinados e brutalizados em rituais de tortura por agentes do estado.


A ditadura só começou a ser questionada com força transformadora quando a grave crise internacional do petróleo atingiu em cheio a economia e particularmente a indústria automobilística brasileira, localizada no ABC paulista. Aqueles operários metalúrgicos que enfrentaram o Estado armado e um regime que impedia greves não lutavam contra uma ditadura, mas pelos seus empregos e salários.


Isto não significa dizer que a luta contra a ditadura empreendida por Dom Helder, Gregório Bezerra, Mariguela, Lamarca e tantos outros como os democratas históricos oriundos do antigo MDB, foi em vão. Pelo contrário, foi a soma das duas resistências, combinada com outros fatores, que permitiu um salto de qualidade na organização da democracia que vivemos hoje.


Avancei um pouco e tracei para o meu companheiro um paralelo entre o que acontece hoje em Pernambuco, via Pólo de Suape, com o que aconteceu na Bahia a partir de 1978, via Pólo Petroquímico de Camaçari, na região metropolitana de Salvador. Aqueles investimentos, que como aqui também receberam ao longo do tempo um sistema de montagem de automóveis, a Ford, deram musculatura política nacional ao então governador baiano e, como aqui, mas via eleição indireta, deram-lhe também uma reeleição. O então governador baiano em 1978 chamava-se Antônio Carlos Magalhães, vulgo ACM, que dispensa maiores apresentações. Ironia do destino ou coerência estratégica do capital, tanto em 1978 quanto em 2010, a economia internacional vivia uma grave crise.


Então, se o pólo de Camaçari deu votos e um poder quase absoluto a um político truculento como ACM, criando na Bahia o fenômeno do “Carlismo”, permitindo-lhe inclusive sonhar com a presidência da República para o filho, Luis Eduardo - de triste fim-, porque Suape não daria reeleição, musculatura política nacional e outros poderes ao jovem governador Eduardo Campos, que, admitamos, é de longe mais simpático e palatável que ACM¿


Meu velho companheiro então insistiu: “mas temos o pior salário da educação pública do Brasil, a saúde pública um caos, transporte público uma vergonha, o aquecimento global já nos atinge... será que o povo não tá vendo isso¿” Insisti também, dizendo a ele que o capitalismo tem a magia de dialogar fundo com nosso individualismo e adormecer nossos instintos coletivos, que chamo particularmente de razão.


Na medida em que se tem sensação de mobilidade social, de capacidade de consumo individual, tem-se também a perspectiva de comprar os serviços e condições de vida que deveriam ser públicos e coletivos: o problema da educação pode-se resolver colocando os filhos em escola particular; sobre a saúde, pode-se fazer um plano de saúde privado; sobre os transportes, pode-se comprar um carro ou uma moto; sobre o aquecimento global, pode-se comprar ar-condicionado para a casa e o carro, etc.


Pronto, assim se resolveria o problema sob a ótica e lógica liberal-individualista do capital na consciência de grande parte das pessoas. É uma espécie de privatização que parte da intimidade das pessoas para o seu mundo exterior, de dentro para fora dos indivíduos.


Meu velho companheiro, meio desanimado, já pensava em desistir: “então este negócio de ética na política, socialismo, democracia e liberdade é uma grande balela¿!”. Já chegando na minha vez de ir ao caixa disse-lhe então que deveríamos ter fé na humanidade e no avanço do processo civilizatório, pois esta mesma humanidade que deixa exalar de si esta essência liberal-individualista em certos momentos contra a coletividade, é a mesma que fez a Revolução Francesa, que aboliu a escravidão, que fez a revolução Russa e Cubana e tantas outras, a mesma que derrotou o nazi-fascismo, a mesma que derrotou a ditadura no Brasil e é capaz de tantas coisas fantásticas, como a arte.

Afirmei-lhe, ainda, que sempre acreditei que a humanidade gosta da paz, do belo, da felicidade e da alegria, e não se harmonizará com a barbárie inevitável que o capitalismo selvagem reserva para a grande maioria dos seres humanos, e que com fé, esperança, princípios e perseverança, vamos avançar. Desejei-lhe um feliz 2011 e nos despedimos.¬


Presidente do PSOL-PE





2 comentários:

  1. Belo texto! Filosofia política extremamente coerente que, infelizmente, não é a máxima entre os que fazem a esquerda no país. Parabéns Edilson pela sua lucidez política. A cada dia, me torno mais um fã seu. Vamos Juntos à campanha para vereador do Recife.

    Saudações Socialistas!

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  2. Edilson é no meu entender uma das melhores cabeças da esquerda socialista Brasileira, trabalhador, estudioso, tem prazer em compartilha seu ponto de vista, como também sabe ouvir, o que faz deste jovem um político de um novo tipo. Concordo inteiramente com Vinicius. Parabéns Edilson! Zé Luiz

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