E se as bebidas alcoólicas fossem drogas ilegais no Brasil?
Por Edílson Silva*
Informa o apresentador do jornal da noite: "Pela manhã um carregamento de mais de 20 mil litros de aguardente de cana foi apreendido na rodovia Fernão Dias, no sentido Minas Gerais - São Paulo. A droga estava camuflada num caminhão tanque de uma distribuidora multinacional de combustíveis. Os traficantes presos – um motorista e um auxiliar que fazia a segurança da carga, portavam armas de fogo de grosso calibre que também foram apreendidas. O carregamento, segundo a Polícia Federal, devia pertencer ao Cartel Mineiro, responsável pela produção da aguardente de cana mais apreciada pelos viciados na droga. O cartel abastece as 'bocas de cana' das classes médias do sul e sudeste do país."
Manchete de um programa sobre esportes: "A ligação entre cartolas do futebol e álcool-traficantes vai parar nos tribunais. Investigações da Polícia Federal, em conjunto com a Receita Federal, concluíram que o mais poderoso Cartel da Cerveja no Brasil, conhecido no submundo do crime como AMBEV, vem lavando dinheiro com a compra e venda de jogadores de grandes clubes. Num truque contábil, as marcas de refrigerantes – controladas pelo Cartel - aparecem publicamente, mas na verdade é o lucro dos negócios ilegais com a venda de cervejas que vem patrocinando as negociações milionárias entre os clubes brasileiros."
Destaque esportivo do maior diário carioca: "Uma polêmica se instalou nos preparativos dos Jogos Pan-americanos 2007, que se realizará na cidade do Rio de Janeiro. A Cervejaria SOL, de nacionalidade mexicana, fez uma oferta milionária para uma das maiores emissoras de TV do país, visando patrocinar, somente com suas marcas de refrigerantes, as transmissões das competições do Pan. A produção e o consumo de cerveja são permitidos no México, mas no Brasil a prática é ilegal. Acontece que o álcool-tráfico tem muito poder político em nosso país, e inclusive há indícios de que o presidente do Senado Federal tem fortes ligações com o cartel paulista da cerveja, conhecido como 'Cartel da Schin'. O contrato com a mexicana SOL estaria sendo criticado e até vetado, pois a popularização da marca no país, mesmo que através de refrigerantes, poderia ampliar o contrabando de carregamentos de latas de cerveja do México para o Brasil, diminuindo a margem de lucro do bilionário e ilegal negócio dos álcool-traficantes locais."
"Escândalo no samba", anuncia o locutor da rádio FM: "Após apresentar-se na noite de ontem para um Canecão lotado e animado, o cantor e compositor Zeca Pagodinho foi conduzido por policiais para a delegacia mais próxima. Denúncia anônima, certamente feita por quem não gosta de samba (ou seja, bom sujeito não é!), avisou às autoridades policiais que o famoso e querido pagodeiro guardava em seu camarim caixas de latas de cerveja, estupidamente geladas, da grife Brahma, pertencente ao Cartel da AMBEV. Na delegacia Zeca alegou que as caixas eram para consumo próprio, assumindo publicamente ser um viciado no uso da droga. 'Oh chefia, com o dinheiro que eu ganho com a música, por que iria traficar?', argumentou Zeca, revoltado e choroso ao ver as latas de cerveja apreendidas, e ainda geladas, sendo abertas e despejadas numa 'boca de lobo' em frente à delegacia. O artista foi liberado logo após o depoimento, pois tem endereço fixo, em Xerém, e a legislação brasileira tolera os assumidamente viciados e apenas usuários da droga."
Enquanto isso, num noticiário do meio dia: "Tiroteio nesta madrugada deixa pelo menos três mortos no Vidigal. Informações dão conta de que uma das vítimas estava em casa e foi atingida por bala perdida. A polícia afirma que se trata de confronto entre quadrilhas de álcool-traficantes rivais. Naquela área é forte a disputa entre os dois cartéis mais poderosos na produção e distribuição de aguardente de cana, a nordestina 'Pitu' e a paulista '51'. O controle das 'bocas de cana' é disputado palmo a palmo e o confronto armado aumenta dia após dia. A entrada de novos cartéis na disputa, como a Ypióca e a Velho Barreiro, vem aumentando a tensão e a criminalidade em torno do álcool-tráfico. O secretário de segurança pública alertou que a sociedade está perdendo a guerra contra os álcool-traficantes e que as comunidades dão guarida aos mesmos, dificultando em muito o combate ao comércio de drogas e a apreensão de armamentos."
TV Câmara: "Começa a funcionar a CPI das ONGs. Dentre as inúmeras denúncias que serão apuradas, destaque para a suspeita de participação de ongs na produção de drogas ilícitas. No nordeste, organizações estariam ensinando agricultores pobres a produzir licor de frutas diversas, com alto teor alcoólico, e que supostamente são vendidos na beira das rodovias para turistas e caminhoneiros."
TV Senado discute a crise carcerária: "A prisão em flagrante de 120 pessoas no último sábado, todos pais e mães de família, que cultivavam uvas para a produção de vinho no sertão do São Francisco, no chamado 'Polígono do Álcool', reabriu a discussão sobre a crise carcerária no país. No último ano o encarceramento de pessoas ligadas à produção de cevada, uva e cana-de-açúcar para o álcool-tráfico cresceu mais de 300%, obrigando os estados a construir novas unidades prisionais e a contratar mais agentes penitenciários. Em alguns estados os gastos com o combate ao álcool-tráfico está próximo aos gastos com educação. Uma das alternativas estudadas para diminuir os gastos é a privatização dos presídios e a transformação dos mesmos em linhas de produção, oferecendo a vantagem da mão de obra praticamente de graça."
Coluna social: "O MOCABE - Movimento Cansei de Beber Escondido, num ato de coragem e desprendimento, faz passeata hoje no Morumbi (SP) e em Casa Forte (PE), simultaneamente, exigindo das autoridades tratamento diferenciado para os consumidores de whisky 12 anos. Segundo o movimento, '(...) não é possível a Lei confundir um consumidor de Black Label com outros que misturam vodka Natasha com Coca-Cola ou enchem a cara de Axé de Fala numa 'Terça Negra' qualquer '. O movimento afirma que os consumidores de bom whisky não alimentam o álcool-tráfico e muito menos a violência nas 'bocas', pois suas garrafas em geral entram no país em pequenas remessas via free shops dos aeroportos. Argumentam ainda que são usuários recreativos e que pretendem fazer um abaixo-assinado, a ser entregue ao Congresso Nacional, exigindo tratamento diferenciado."
Caderno Cultural:"Roteirista de Tropa de Elite, ex-capitão do BOPE desabafou em palestra ontem no Recife: '(...) depois que fui à festa de formatura da minha esposa e vi a maioria das pessoas bebendo cerveja e whisky à vontade, tomei a decisão de nunca mais reprimir boteco e cachaceiro nas favelas'. O filme Tropa de Elite, sucesso de pirataria e na telona, suscita o debate sobre a descriminalização das bebidas alcoólicas."
Editorial da Revista Veja:"Sociedade reage às propostas de descriminalização das bebidas alcoólicas. Segundo renomados cientistas e pensadores, e a própria história da civilização atesta esta afirmação, a descriminalização de drogas como as bebidas alcoólicas será a decretação do fim da nossa sociedade. No momento em que consumir e produzir bebidas alcoólicas não for crime previsto em Lei, esta droga estará disponível nas prateleiras dos supermercados, em lojas de conveniências, postos de gasolina, bares e restaurantes, será oferecida livremente nas praias e em jogos de futebol. Até em aniversários infantis! O melhor caminho para a sociedade é manter e aprofundar a repressão ao álcool-tráfico. Porém, não basta subir os morros e invadir favelas, destruir destilarias e plantações de cana, uva e cevada. É preciso combater o tráfico de armas que protege esta atividade ilegal. E o povo, que é o grande culpado, pois adora uma cervejinha e uma cachacinha, precisa se conscientizar de que seu vício está alimentando esta praga chamado álcool-tráfico."
*Presidente do PSOL/PE, escreveu este artigo em 2008, quando da primeira Marcha da Maconha em Pernambuco.
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