O
resultado das eleições no Recife - e porque não dizer em Pernambuco, mostra um
cenário político perigoso se desenhando. De olho apenas em obras – de pertinências
questionáveis; em números e estatísticas – que não raro revelam apenas meias
verdades, vai se permitindo o soerguimento de uma gigantesca obra imaterial na
terra de Frei Caneca, perceptível apenas aos mais atentos: a desconstrução da República
e consequentemente o retrocesso democrático.
A
covardia política, como sempre, é a pedra de toque que embala esta grande obra
imaterial. O adesismo e o fisiologismo mais baratos tentam se esconder por
detrás de discursos supostamente “realistas”. Ouvi de um petista amigo,
resignado, que não há como vencer a força do governador Eduardo Campos,
buscando assim justificar a adesão cabisbaixa que se avizinha à base governista
do futuro prefeito do Recife. Respondi a ele que não se trata de vencer, mas
sim de resistir, de lutar, de não permitir o consenso da submissão e buscar na
dialética dos corpos políticos a síntese possível, que sempre será melhor que a
supremacia de uma única tese. Já pensaram se Arraes, Brizola e outras lideranças
do campo democrático tivessem em seu tempo escolhido o caminho de menor
resistência e batido continência aos golpistas de 1964?
A
mesma resposta que dei ao meu amigo petista aproveito para deixar neste texto ao
Eduardo Granja, também petista, também resignado, mas que ousa vir a público
criticar os que politicamente não se acovardam, buscando justificar da pior
forma possível sua previsível opção pela capitulação aos que lhe venceram. Espero,
sinceramente, que mude de atitude.
O
espírito republicano e suas instituições, estatais e culturais, a democracia,
parecem-me como um músculo. Se não exercitamos, atrofia. E às vezes é preciso
ter coragem para exercitar esta musculatura, a mesma coragem que tiveram não só
Arraes e Brizola, mas antes deles Frei Caneca, já citado neste texto, e depois
deles Dom Helder Câmara, Gregório Bezerra e tantos outros que viveram aqui em
Recife, e que não dedicaram suas biografias a construir fortes, portos, refinarias
ou alianças políticas sem escrúpulos, mas a construir o edifício do bom Direito,
da Justiça, da Liberdade, da Igualdade, do Humanismo.
Os
obstáculos que outros enfrentaram para nos deixar o legado republicano e democrático
que temos hoje eram imensamente maiores que aqueles que precisamos enfrentar
hoje, mas mesmo assim anda muito difícil encontrar sujeitos que se disponham a honrar
este legado e fazer mera oposição, dentro dos marcos democráticos e legais, aos
que se encastelam no Poder Executivo, vide o que acontece vergonhosamente na Assembleia
Legislativa de Pernambuco e o que está prestes a acontecer na Câmara Municipal do
Recife.
Na
busca desses sujeitos e da articulação entre eles para fortalecer trincheiras
pontuais de resistência contra o hegemonismo ilegítimo e a sempre burra unanimidade
política – que sempre descamba para totalitarismos, estamos ousando ser um
ponto de intersecção e diálogo entre forças políticas que se colocam no campo
da oposição no Recife.
Foi
este o impulso que nos levou ao diálogo com setores identificados como de
direita na cidade. E aqui não há necessidade de pintá-los de outra cor. São
sim, em minha concepção, de direita. Mas se houver nestes setores a honesta
intenção de causar uma unidade de forças para fiscalizar com rigor o prefeito
Geraldo Julio, não terão em nós um obstáculo. De nossa parte, porém, pleiteamos
a contra partida do empenho da unidade também para garantir mecanismos de
participação popular no processo de fiscalização do prefeito e de produção da
legislação municipal, como Tribuna Popular, Comissão de Legislação Participativa
e outros que permitam à sociedade civil debater e contribuir na definição de
obras como a PPP da Compesa, Projeto de Navegabilidade no Rio Cabibaribe,
revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, Plano de Mobilidade e tantas outras.
Estamos
ao mesmo tempo dialogando com setores saudáveis do PT, que discordam das
posições hegemônicas deste partido, e outros que orbitam no campo que
convencionamos chamar de esquerda. Com estes buscamos fortalecer uma unidade
pela esquerda, campo político onde residimos e por onde pretendemos desenvolver
ações de caráter mais estratégico. Contudo, a primeira medida deve ser a não
unanimidade do projeto que governa Pernambuco e que agora governará também o
Recife, ou seja, fortalecer a oposição.
Contudo,
não basta a coragem para estar na oposição nesta quadra histórica em Recife e
nem a disposição de diálogo entre forças que só encontram unidades pontuais. É
preciso mobilização da sociedade por suas demandas, e é por isso que se faz
necessário buscar fortalecer as mobilizações populares em defesa da saúde
pública, da educação pública, das populações oprimidas da cidade, das
juventudes que todos os anos protagonizam uma justa jornada de mobilizações em
defesa do transporte público, em defesa dos direitos urbanos, etc. São estas
mobilizações, organizadas politicamente, combinadas com a construção de um
projeto político democrático e popular na cidade, que vão garantir que
avancemos para uma fiscalização e oposição republicanas, com força e
capilaridade social, que possa se materializar em uma cidade mais justa e equilibrada
em todos os sentidos.
Presidente do PSOL-PE e 40º vereador
do Recife através do Mandato Cidadão e Popular.
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