Não
me lembro de outra oportunidade em que um projeto de intervenção urbana na
cidade do Recife tenha gerado tanta discussão e que tenha ficado tão nítido a
forma não republicana como as gestões públicas agem nestes casos. Diante da
absoluta falta ou fragilidade de argumentos dos que defendem o projeto,
lamentavelmente parece ter sobrado a estes a tentativa de desmoralização dos
que pensam diferente e buscar levar o debate para o ambiente da jocosidade.
Alguns
“argumentos”: “O projeto é privado e então ninguém pode se meter”. “O projeto
representa progresso”. “Vai gerar emprego e renda”. “Melhor isto do que a área
degradada como está”. “Vamos ser a nova Dubai!”. “Quem é contra são maconheiros
e desocupados”. “Onde estavam os contrários quando a área estava lá parada e
degradada?”. “Porque os que são contra não lutam contra outros problemas mais
graves na cidade?”. “Se não gostou, deita na BR!”.
Estes
argumentos só servem para um não-debate, para um ambiente de briga de torcidas –
que parece interessar aos que pensam em lucrar muito com este projeto. Basta
descermos ao ambiente da racionalidade, da legalidade e do bom senso, e tudo
fica claro com extrema simplicidade.
O
fato de o terreno e o projeto estarem em mãos privadas não significa que pode
tudo. Se o dono de um limpa-fossa compra uma área vizinha ao seu prédio,
significa que ele pode fazer ali uma estação de decantação? Claro que não. A
lei garante que é preciso licença para funcionamento, estudo de impacto
ambiental e de vizinhança, caso contrário a cidade vira uma selva urbana. Da
mesma forma uma área de 100 mil m² na região central da cidade.
Progresso
é um termo muito relativo. A RFFSA (Rede Ferroviária Federal) – proprietária última
daquela área do José Estelita, foi privatizada em nome do progresso, com os
contrários à sua privatização sendo desqualificados à época como jurássicos. O
que vimos depois foi a desativação do ramal ferroviário que ligava Recife ao
agreste e ao sertão, ramal que hoje nos faz falta para garantir uma integração
ferroviária entre o Recife e Caruaru, por exemplo. O que parecia progresso foi
na verdade um brutal retrocesso.
O
argumento de que vai gerar emprego e renda e que é melhor este projeto do que o
que existe hoje é absolutamente desonesto. Existia/existe outro projeto para
área, também transformador, também gerador de emprego e renda, denominado à
época Projeto Urbanístico Recife/Olinda. Reproduzo aqui a íntegra da fala da
urbanista Raquel Rolnik, que em 2005 era Secretária de Assuntos Urbanos do
Ministério das Cidades: “A base do projeto (Projeto Urbanístico
Recife/Olinda) era a disponibilização de espaço público e de transporte público
de qualidade, interligando as duas cidades, e estavam previstos, por exemplo,
1/3 de habitação popular nas novas áreas a serem construídas e recursos para a
urbanização de todas as favelas contidas neste perímetro. Uma proposta inicial
– não totalmente desenvolvida e ainda não sacramentada por todos os envolvidos
– foi lançada para debate público. Em 2007, no entanto, após as eleições, o governo de
Pernambuco mudou e a nova gestão simplesmente não deu continuidade ao projeto.”. Portanto, é ignorância ou
má-fé afirmar que os que somos contrários ao projeto Novo Recife não apresentamos
alternativas à situação atual.
Quem
definiu que queremos ser uma nova Dubai? A maior riqueza de Recife é sua
originalidade, seu conjunto cultural, sua arquitetura, sua geografia, sua
história, sua antiguidade. Recife pode e deve se modernizar, mas jamais pode se
descaracterizar, pois nossas características originais são nossa identidade e
nossa maior riqueza. O projeto Novo Recife descaracteriza e empobrece
violentamente nossa cidade. Quando se vai à Europa ou para outras localidades
do mundo, não se vai em busca de uma nova Dubai, mas sim em busca do que aquela
terra tem de original.
Os
que são contrários ao projeto Novo Recife são pessoas que tem suas vidas engajadas
na luta por uma sociedade melhor. São arquitetos, advogados, operadores de
telemarketing, pescadores, desempregados, lideranças partidárias,
sindicalistas, jornalistas, estudantes, ciclo-ativistas, engenheiros, aposentados.
Alguns são maconheiros? Pode ser. E daí?
Além
disso tudo, o Projeto Novo Recife está em total ilegalidade. Está sendo
encaminhado com profundos vícios, como de forma impecável asseverou a Promotoria
do Meio Ambiente do Ministério Público de Pernambuco, através da Promotora
Belize Câmara e também conforme representou junto ao Ministério Público o
vereador do PPS Raul Jungmam.
Portanto,
vamos ao debate, sem jocosidade, sem desqualificações e dissimulações,
respeitando a legislação e, fundamentalmente, a democracia e o respeito à
cidadania.
Presidente do PSOL-PE
Ótimo post esse, corroborando ainda mais com a ação da Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público, através da Promotora Belize Câmara. E como algumas pessoas colocaram, se tiver maconheiro apoiando essa ação? Mostra que até ele tem consciência do que pode ser bom para a cidade e ele pode não ser um maconheiro "pobre" e sim só um viciado.
ResponderExcluirGostei do post, mas não concordo com tudo. Concordo que área do José Estelita deveria ter uma parte (a maio parte) destina ao espaço púplico e outro deveria ser com moradia(não com 13 torres de 40 andares, mas torres de 8 andares, prédios não muito altos). Eu mesmo acho a Av. Eng. José Estelita a avenida mais bonita da cidade, até gostaria de morar lá. Será que seria bom o governo/prefeitura gasta uma nota pra construir parques e moradias pupolares para depois de um certo tempo tudo está abandonado? Penso eu que alguns gastos devem ser feitos por empresas privadas(como parques, teatros púplicos), para que o governo invista esses recursos com outras coisas como saude e educação. Minha opnião.
ResponderExcluirExcelente post Edílson... Infelizmente muitos veem esse projeto do Novo Recife como um avanço para cidade, e como você citou no seu post, Recife é caracterizada por sua antiguidade, história, geografia, cultura, etc. Infelizmente a população continua inerte perante diversos projetos, como este projeto pode ser beneficente para a população, se ela mesmo não tem o direito de ser ouvida. Um grande abraço, Thiago Souto Maior.
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