Por Edilson Silva
O Recife está diante de uma encruzilhada histórica. Vamos nos aprofundar num “modelo” de ocupação do espaço urbano experimentado por cidades como São Paulo, ou vamos a um paradigma que privilegie e articule de forma corajosa, revolucionária e inadiável as dimensões de sustentabilidade econômica, ambiental e social em nossa cidade¿
Foi disso que tratou recente audiência pública na Câmara de Vereadores do Recife, quando a construtora Moura Dubeux, das principais patrocinadoras do projeto Novo Recife, um empreendimento imobiliário na área do Cais José Estelita, apresentou o referido projeto. Na oportunidade, estavam lá interagindo o Ministério Público, a Fundarpe, IPHAN, Sociedade Civil representada por um docente da UFPE, Prefeitura do Recife, Câmara de Vereadores e um auditório transbordando de gente contrária ao projeto.
Os defensores do Novo Recife salientaram a importância da suposta urbanização da área de mais de 100 mil m², degradada e semi-inutilizada, além dos sempre presentes argumentos da geração de emprego, renda, dinamização da economia local, etc. Os contrários focaram na preservação do patrimônio histórico e na destinação da área para fins de interesse das maiorias, que significa dizer voltar a área para fins da coletividade da cidade: direito humano à contemplação da paisagem; direito à brisa e a uma temperatura ambiente mais adequada nas áreas centrais da cidade; direito à mobilidade; direito à moradia; direito a opinar e decidir em que tipo de cidade queremos e podemos morar, como bem consagra o ordenamento jurídico vigente, através, dentre outros, do Estatuto das Cidades.
Temos, pois, dois problemas graves em questão. O primeiro deles diz respeito à democracia na cidade. Como pode um projeto desta magnitude, que prevê cravar na área central da cidade ao menos 12 torres que podem chegar a mais de 40 pavimentos, um paredão de concreto, ser todo gerenciado por uma construtora, cujo objetivo central é maximizar seus lucros¿ A construtora que lidera o projeto vem estabelecendo relações bilaterais com órgãos públicos e impondo seus negócios como fato consumado para o conjunto da sociedade, assim como o fizeram com as torres gêmeas no Cais de Santa Rita. A sociedade deve, quer e pode participar destas definições.
O outro problema diz respeito à essência do projeto em si. Neste tópico é necessário dizer que o modus operandi da Moura Dubeux e seus sócios – incluído aí a Prefeitura do Recife, é manjadíssimo: apresentam a realidade presente como algo inaceitável e aparecem com a suposta solução mágica. Contrastam o projeto Novo Recife com os armazéns sucateados e a área abandonada. Até filmes de quinta categoria mostram abundantemente este roteiro.
Sobre isto, a sociedade precisa saber que já existiram e existem outros projetos para a área. Todos queremos a revitalização, pois ninguém defende terrenos sub-utilizados ou abandonados. Entre o terreno supostamente abandonado e o projeto Novo Recife existem, portanto, muitas possibilidades, dentre elas um projeto que envolvia o governo do Estado e a PCR, e que previa inclusive moradias populares no terreno, mas que foi abandonado, “misteriosamente”, para dar lugar à extravagância da especulação imobiliária. Se formos mais conseqüentes e corajosos, aquela área, com a sua linha férrea ligando Recife ao Cabo, e também Recife ao Agreste, com foco em Gravatá e Caruaru, poderia abrigar, entre outros equipamentos urbanos coletivos, um revolucionário e moderno terminal intermodal de passageiros, combinando num futuro não muito distante o transporte sobre trilhos com o fluvial, com ciclovias e ônibus. Isso sim é progresso!
Dito que a forma como o projeto está sendo construído é absolutamente anti-democrática e anti-republicana e que o mesmo nasce assentado sobre uma premissa inverídica, é preciso também dizer que o projeto, como está concebido, será um desastre para a nossa cidade.
Foco aqui em algumas questões que julgo centrais. O projeto é mais um impulso à super concentração de atividades nas áreas centrais da cidade, trazendo mais carros, mais congestionamentos. Não se trata simplesmente de aumentar o número de vagas de estacionamentos – como se isto fosse sequer um paliativo para os problemas de mobilidade urbana, como anunciam irresponsavelmente os jornais: “mais 10 mil vagas!”. Os carros estocados nos estacionamentos da cidade chegam e saem destes através das ruas e avenidas, e não existe uma relação compatível entre os carros parados e os carros circulando. Não há elevados, viadutos e outros artifícios que compatibilizem esta equação. Em pouco tempo estaremos como em São Paulo, gastando até 5 horas por dia só em locomoção. Isto é progresso¿
O projeto ainda mexe no arejamento da cidade, vai elevar a temperatura nas áreas centrais; impulsiona o transporte individual, quando precisamos, a partir de nossa cidade, fazer nossa parte contra o aquecimento global, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa. Além disso, a verticalização excessiva das moradias e unidades de convivência humana transfere para os corredores e elevadores dos prédios a segurança que o convívio social geraria no espaço público, construindo como subproduto o inverso em segurança e convivência humana no universo das ruas. Inverte-se a lógica e as pessoas fazem de suas casas e locais de trabalho verdadeiras fortalezas, tornando as ruas “naturalmente” vulneráveis à insegurança. Nesta lógica, quanto menos popular o empreendimento imobiliário, maior o abismo entre o ambiente interno dos condomínios e o ambiente externo, das ruas.
Portanto, ser contra este projeto Novo Recife não significa defender posições ideológicas, ser contra o progresso ou outras ilações sem sentido, como tentam passar os porta-vozes do poder econômico em nossa paróquia. Trata-se de ter bom senso, de querer desenvolvimento econômico com sustentabilidade social e ambiental. Para se ter isto, não podemos deixar esta definição nas mãos das construtoras, da prefeitura – cujos gestores, em muitos casos, são financiados em suas campanhas por estes mesmos empresários -, nem tão pouco podemos ficar à mercê da opinião pública construída pela grande imprensa empresarial, cujas construtoras que se beneficiam deste projeto estão entre os seus maiores clientes. A impressão que tenho é que um plebiscito ajudaria a cidade a se apropriar melhor do tema e a decidir com mais responsabilidade sobre os rumos que devemos tomar.
Presidente do PSOL-PE
Edilson porque não recuperar o projeto voltado para a habitação popular para o Cais? Pode-se gerar um marco para habitação popular para a RMR...
ResponderExcluirAcho que deveria ser uma questão de campanha...