Diretório Nacional do PSOL enfrenta questões
estratégicas,
de concepção partidária e avança para fortalecimento da esquerda
brasileira
A reunião do DN do PSOL no último final de semana foi um marco
para o partido. Realizada após uma campanha eleitoral inequivocamente vitoriosa
em 2012, o fórum máximo de deliberação - abaixo apenas de nosso congresso,
aconteceu sob forte pressão de um setor do PSOL que queria transformar nossas
vitórias em derrotas. Uma maioria consistente, contudo, soube fazer as reflexões
necessárias sobre os equívocos e desequilíbrios táticos havidos – naturais aos
que se lançam nas disputas de massas -, e inseri-los dentro de um balanço
vitorioso e de um partido que saiu absolutamente fortalecido das urnas em 2012.
Restou aprovado, mais uma vez, a reafirmação de um norte de concepção
partidária e a dimensão estratégica onde esta concepção se localiza.
O DN começou enfrentando uma situação de ordem metodológica,
que acaba guardando aspectos de natureza estratégica também, pois método,
política e ética são no fundo inseparáveis: a reabilitação do dirigente
Martiniano Cavalcante, que havia sido suspenso de seus postos de direção a
partir de decisão precária da Executiva Nacional. Neste debate, o partido
encerrou um aprendizado e precisou fazer um desagravo ao destacado dirigente,
pois a decisão de afastá-lo e enviá-lo à Comissão de Ética, sem observar os
procedimentos mínimos necessários para estes casos - além dos fatos já terem
desfechado sua absoluta falta de má-fé -, acabaram causando-lhe indiscutíveis prejuízos
políticos. O transcorrer desta discussão deixou claro que o PSOL precisa
avançar no sentido das garantias fundamentais aos filiados e também no
estabelecimento de limites à luta política que invade a dignidade do outro. Ataques
de natureza moral entre membros do partido, na luta interna, não devem prosperar
no PSOL e precisam ser devidamente sancionados. A reabilitação e o desagravo
aprovados no Diretório Nacional foi uma derrota para aqueles que internamente
apostam nos ataques morais como ferramenta de luta política e pode representar
uma inflexão rumo à construção de uma cultura libertária de fato no ambiente da
moral e da ética entre os membros do PSOL.
O debate político de balanço das eleições foi marcado por
uma nítida polarização. De um lado, um setor do partido unido em torno da tese
de que o PSOL saiu derrotado do 2º turno das eleições e que havia uma grave
crise política e de direção no PSOL. A suposta derrota teria se dado por conta
do recebimento de apoios heterodoxos às nossas candidaturas em Belém e Macapá. A
suposta crise de direção se daria por conta da suposta incapacidade do
presidente Ivan Valente de seguir à frente do Diretório Nacional, por conta deste
ter se coadunado com esta suposta derrota. Creio que estes setores chegaram a
cogitar seriamente que poderiam ter maioria no diretório – ou uma votação muito
apertada, podendo assim tentar um golpe e tomar a direção do partido antes do
prazo estatutário – intervalo de dois anos entre congressos. Em base a esta
análise, este setor entrou na reunião do DN com duas propostas básicas: colocar
o senador Randolph Rodrigues e o prefeito eleito Clécio Luís na Comissão de
Ética do PSOL e também antecipar o IV Congresso do PSOL, para eleger uma nova
direção. No diário carioca O Globo de sábado, 01/12, a cobertura à reunião do
DN destacava que o ponto principal desta reunião seria a expulsão do único
senador e do prefeito eleito de Macapá do PSOL, uma cobertura negativa que,
tudo indica, foi devidamente plantada por interessados na divulgação da suposta
crise do PSOL.
Aos que acompanham a dinâmica interna do PSOL com mais
atenção, não é difícil perceber que existe em verdade um condomínio
estabelecido neste setor do PSOL, que seria um pólo esquerdista, com variados
interesses isolados, mas que se encontram de conjunto em apenas um ponto comum:
enfraquecer a direção do PSOL. Dentre os interesses embutidos neste setor
podemos destacar a luta pelo controle do pequeno aparato partidário e a
tentativa de alavancar a pré-candidatura de Luciana Genro à presidência da
República, que está inelegível na circunscrição eleitoral do seu estado, Rio
Grande do Sul, por conta de seu pai ser governador, e que para se reprojetar no
cenário político nacional necessita candidatar-se à presidência ou vice-presidência
da República. Necessário é que se diga que deve honrar muito ao PSOL ter um
quadro gabaritado como a Luciana Genro postulando esta condição, pois é uma
militante que apesar da “juventude” tem uma bela história na esquerda
brasileira.
Portanto, o que liga mesmo
os variados agrupamentos que convivem neste condomínio (MES, CST, CSOL, Enlace,
APS , TLS, SR e outros) não são questões programáticas ou táticas de médio e
longo prazos, mas questões precárias de táticas urgentes e que podem
desfazer-se com pouca dificuldade, como deixou muito transparente o debate
político feito no Diretório Nacional. É possível perceber vestígios de pontos
comuns, no discurso, de concepção partidária, mas neste caso basta vermos como
as partes que compõem este todo se comportam quando hegemônicos nos estados e
municípios e verificamos que também aí a retórica é meramente tática.
Do outro lado nesta polarização, uma coalizão também ampla,
mas que mostrou unidade numa questão fundamental e política de fundo: a defesa
do PSOL como ferramenta política anticapitalista com forte perfil popular,
portanto de massas. Outra característica também comum a esta coalizão é o desapego
sincero a “siglas” internas ao PSOL, o que não é desprezível politicamente e pode
não ser mera coincidência. São “dissidentes” da APS, do MES, do Enlace, do MTL,
são independentes de várias origens, todos num ponto de encontro em que a
defesa do PSOL anticapitalista, amplo e de massas é a moldura dentro da qual
tratamos nossas saudáveis diferenças.
O centro do debate político e das polêmicas neste DN não foi
o plano de ação do PSOL para o início de 2013, em que votamos por consenso a
luta pela anulação da Reforma da Previdência de Lula, do fator previdenciário,
a realização de seminário para buscar dar um perfil o mais uniforme possível
para o PSOL nos legislativos municipais, solidariedade às lutas na Europa e
realização de Seminário sobre a IRSA, ações articuladas pelo PSOL na região do
semiárido nordestino sobre a seca que castiga a região, a luta contra o ACE –
Acordo Coletivo Especial no setor privado que está sendo incentivado pela
maioria da CUT, sobre a luta LGBT e outros. O PSOL saiu armado para incidir
sobre estas questões importantíssimas da luta política e social nos próximos
meses. Estas votações, praticamente consensuais, já demonstram que a tese do
partido derrotado e em crise não passava de uma invenção a serviço da luta
interna autofágica patrocinada por alguns segmentos internos.
O resultado das votações de avaliação das eleições mostraram
uma maioria sólida negando a tese de derrota e crise do PSOL: 35 X 26. Contudo,
o resultado quantitativo não reflete a flagrante derrota política verificada
durante os debates, que precisamos reconhecer que foram de nível elevado –
embora constrangedor em vários momentos, com uma ou outra exceção de alguns
membros que pela forma e conteúdo de suas intervenções já viraram espécies de
caricaturas nas instâncias do PSOL.
Um primeiro aspecto do debate que desarmou o pólo
esquerdista no DN foi o fato de a maioria ter sido alcançada a partir de uma
formulação política que trouxe uma autocrítica do partido em relação a aspectos
da tática em Belém. Esta autocrítica foi fruto de um importante debate
político, de convencimento mútuo, de busca de sínteses com honestidade e
lealdade política e intelectual – método distinto daqueles que veem da
fragilidade ou equívoco do outro a chance de lhe arrancar o pelo -, e que foi explicitada
a partir de uma exposição de motivos contida na resolução aprovada e foi
coroada com o seguinte parágrafo (39): “(Em Belém) Houve, porém, um desequilíbrio na utilização das gravações das
lideranças petistas no segundo turno. Embora não se trate de negar a presença e
apoio de Lula e Dilma na campanha do PSOL, deve-se registrar que embora as
peças publicitárias mostrassem um apoio equilibrado e respeitoso da presidente
Dilma Rousseff, que foi ao nosso programa afirmar que nosso candidato era o
melhor e que faria as parcerias necessárias com o nosso governo, o apoio de
Lula defendendo seu governo e suas “conquistas” pode ter gerado confusão junto
ao povo quanto ao lugar do PSOL diante desse governo. A exposição deste
conteúdo foi um erro. O PSOL já fez na eleição passada um gesto tão ou mais
ousado, quando no Rio Grande do Sul abriu mão de uma candidatura ao senado, em
plena reta final de campanha, para apoiar o então candidato Paulo Paim, do PT,
que acabou se elegendo. Não é novidade, portanto, tais movimentações no PSOL.
Mas é inegável que a entrada de lideranças petistas de peso em nosso programa
eleitoral em Belém, ainda que apoiando o candidato do PSOL, pode ter sido
interpretado como um movimento mais profundo e estratégico, o que não ocorreu
absolutamente.”. Os equívocos podem e devem ser apontados, mas como
aprendizado e não como condenação destrutiva do partido e suas lideranças.
Outro fator importante foram as falas de Clécio Luís,
Edmilson Rodrigues e Randolphe Rodrigues, alvos maiores das críticas. Longe de
serem recuadas – como talvez esperasse o bloco esquerdista, partiram do lócus
respeitoso da humildade de reconhecer equívocos cometidos, mas foram de longe
as mais contundentes na defesa da vitória do PSOL onde disputou o 2º turno.
Tamanha a força, pertinência dos argumentos e convicção da fala de Randolphe
Rodrigues, que ao seu final os presentes explodiram em “Brasil, Urgente,
Randolphe Presidente!”. Foi algo emocionante, pois não foi combinado, foi
verdadeiramente espontâneo.
Para além disso, restou fartamente denunciado no
debate que o pólo esquerdista reúne dentro de si um conjunto de contradições
que lhes tira por completo a coerência do discurso e fere de morte seus
supostos melhores argumentos. A campanha eleitoral que eles apresentam como a
referência para todo o PSOL é a de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, a chamada “Primavera
Carioca”. O problema é que a Primavera Carioca teve o apoio de lideranças do
PSDB no primeiro turno; recebeu R$ 200 mil do dono da Natura, Guilherme Leal,
que foi candidato a vice-presidente da Marina Silva; o protagonista desta
primavera, Marcelo Freixo, já adiantou que seu candidato a presidente da
República em 2014 é Randolphe Rodrigues e também já disse que pode aliar-se com
o PT e o PDT em eleições futuras no Rio de Janeiro. Todos estes fatos são
colocados no debate e ficam sem respostas do pólo esquerdista que quer – ao que
tudo indica, parasitar a figura do Freixo, o que é desmoralizante. De minha
parte, acho que a campanha do Marcelo Freixo no Rio não é arranhada em
absolutamente nada com os fatos narrados acima. Freixo está de parabéns pela
desenvoltura, pela coragem e coerência, mas o que não deve ser admitido são os
esquerdistas pintá-lo como ele não é para usá-lo como aríete para justificar um
balanço negativo do PSOL em Belém e Macapá.
Não foram apenas estas contradições que levaram à
derrota da lógica e do ethos do discurso dos derrotados no DN. A corrente
interna que busca ser a porta-voz mais robusta deste pólo, o MES, ao longo da
curta história do PSOL foi a responsável – muito corretamente e com minha aquiescência,
pelo início do que pode ser chamado de elasticidade tática no PSOL.
Candidaturas do MES, no PSOL, já receberam recursos de transnacionais como a
Gerdau, Taurus (armas e munições), Marcopolo (metal-mecânica), e de grupos
privados regionais, como o Zafari (supermercados). Projetos políticos junto à
juventude, coordenados pelo MES, recebem recursos oriundos de empresas ligadas
ao sistema financeiro. Em 2010 o MES retirou uma candidatura ao senado do PSOL,
na reta final da campanha, para apoiar o candidato do PT, Paulo Paim. Nada
disso pode ser considerado ilegal ou automaticamente transgressão aos estatutos
do PSOL, mas lhes obrigaria, por coerência, a silenciar quando outros no
partido se lançam em flexibilizações de natureza similar. Quando confrontados
com estas cobranças, reagem mal, sobram constrangimentos e destemperos típicos
de quem encerrou sua capacidade de argumentar.
Da mesma forma a CST, que por infelicidade teve um
e-mail interno recentemente vazado para a Executiva Nacional, em que dizem que
o Marcelo Freixo cometeu um erro grave ao receber recursos do dono da Natura,
mas que deveriam silenciar diante deste fato, pois o alvo deles era Randolphe. Assim
como no caso da prefeitura de Itaocara, em que secretarias estão sendo ocupadas
por membros do PT, eleitos nas assembleias de base corporativa convocadas pelo
futuro prefeito. Se elegerem um secretário do PMDB do Sergio Cabral, como fica?
Ou ainda com o fato deste mesmo prefeito de Itaocara andar nos últimos dias por
Brasília, fazendo a peregrinação pelos gabinetes “com o pires na mão”, como prefere
afirmar o pólo esquerdista quando se trata de qualificar a postura de Edmilson
Rodrigues e Clécio Luis, quando estes dizem que vão ter que buscar recursos nas
outras esferas de governo para administrar as suas cidades. O prefeito de
Itaocara está correto em buscar recursos para a sua cidade em Brasília, errados
estão seus “defensores” na luta interna do PSOL, que condenam outros do PSOL que
da mesma forma buscam ou buscarão estes mesmos recursos e/ou parcerias para
governar.
A história é implacável, como disse Lênin, certamente
baseado no critério marxista de que a prática social é o critério da verdade.
Tentar encaixar a realidade concreta no saco sem fundo da retórica
irresponsável, no terreno do imaginário e do virtual que não se reflete na
realidade da sociedade presencial, é o caminho mais curto para a desmoralização
do nosso partido junto ao povo. Se fôssemos mais rigorosos, poderíamos falar
até em charlatanismo de esquerda. Os compromissos que o PSOL deve assumir com o
povo devem ser aqueles que não rompam com nossa utopia socialista e nosso
ideário de esquerda, mas que ao mesmo tempo não rompam com as possibilidades
reais de concretização desses compromissos, nas condições objetivas dadas e que
não são decretadas por discursos em auditórios com pouco público.
Com a vitória política, numérica e moral, de uma
maioria equilibrada e realista, no sentido de compreender as necessidades do
nosso povo e as possibilidades do PSOL e das condições objetivas da conjuntura,
o PSOL sai fortalecido deste DN, reafirmando sua perspectiva revolucionária
para a realidade brasileira e seu compromisso de caminhar com o povo e seus
melhores sonhos, e não distante destes. A ordem do dia agora é fortalecer nosso
partido, trazer novos filiados para nossas fileiras, colocar em andamento as
deliberações do diretório, governar Macapá de forma revolucionária e atuar nos
parlamentos com a garra e a competência que nos mostram nossa bancada federal.
Avante PSOL!
Edilson Silva - Secretário Geral do PSOL