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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Libertários e conservadores, uni-vos!?



 

Por Edilson Silva

Fui convidado dia desses para um debate num encontro de estudantes liberais ortodoxos. Estudantes Pela Liberdade, EPL, discípulos de Hayek, Mises e cia. O EPL se diz apartidário, trabalha conceitos como anarco-capitalismo, mas fora deste espaço tentam legalizar o novo partido político “Libertários”, que conta com o apoio entusiasmado do cantor Lobão. As interconexões levam-nos ao filósofo Olavo de Carvalho, dos maiores ícones do pensamento conservador no Brasil.

Apesar disso e por conta disso também, aceitamos o convite. Muitos jovens estariam presentes e, de fato, ao chegar lá, me surpreendi com algumas presenças, como artistas bem populares por aqui. O tema foi educação e liberdade, mas como já estava óbvio, as polêmicas entre socialistas e liberais não se limitariam ao tema focal proposto. Fomos além. O debate foi bom, com momentos de dureza, mas bastante respeitoso por parte deles, tanto dos debatedores como dos demais participantes. Deixo aqui minha impressão.

Os liberais ortodoxos partem de premissas bastante equivocadas. Talvez a mais grave seja não aceitar o fato da dinâmica irresistível, cultural, de evolução do processo civilizatório, tão visível nas gerações e dimensões de direitos que vão se acumulando ao longo dos séculos. Direitos sociais e difusos, para eles, são meros penduricalhos desnecessários e que atentam contra o sagrado direito de “liberdade”. Não à toa em todo o debate não me lembro de ter ouvido uma única vez da parte deles a palavra democracia. Não à toa eles defendem sim um estado forte, mas para proteger a propriedade.

Outra premissa equivocada: o balanço e as conclusões que tiram do século XX. Acreditam que faltou liberalismo neste século e é exatamente por isto que se explicam os insucessos econômicos e suas consequências. Não aceitam o principal ensinamento deste século: o capitalismo tem mesmo um metabolismo central – descoberto brilhantemente por Marx -, que mesmo tendo sido revolucionário e importantíssimo num dado momento histórico de superação da condição econômica e cultural anterior, na medida em que vai funcionando gera cada vez mais “subprodutos” que interagem politicamente na sociedade, impondo uma dialética luta de classes que impede a história de acabar. Este metabolismo origina, do ponto de vista econômico, inexoravelmente, concentração de produção, monopolização, desemprego e, o mais grave, destrói a própria demanda sem a qual o mercado não consegue alimentar seu processo de reprodução de capital. Há muito mais matemática que ideologia nisto, e o inverso é verdadeiro, quando se tenta afirmar a eternidade do capitalismo.  

Na medida em que não aceitam isto, estranham o receituário keynesiano, as leis anti-truste, por exemplo, que foram e ainda são mecanismos que refletem exatamente a compreensão correta por parte de gestores de economias de mercado de que este sistema tem este defeito estrutural. Deriva daí que não explicam de forma razoável a hegemonia do capital financeiro e seus truques e fraudes sobre o setor produtivo, que teve seu ápice na crise financeira de 2008, abalando a economia mundial e que foi considerada mais grave que aquela de 1929.

Deriva daí também que não aceitam que existam no mundo pessoas sem emprego, sem teto, sem terra, sem saúde, sem educação, sem cultura, sem território, sem qualidade de vida, e que estas condições não são necessariamente obra da incompetência destas pessoas – ou indivíduos como eles preferem -, em atuar ou venderem-se num mercado, mas sim fruto deste metabolismo que falamos acima, com suas consequências políticas. Estes indivíduos, que não raro se materializam em nações, foram excluídos ou já nasceram excluídos do que se chama hoje cidadania. Eles têm o direito natural de se organizar social e politicamente e disputar hegemonia na sociedade, inclusive o poder de Estado? Óbvio que sim. E chegando lá, estão obrigados a manter em funcionamento os mecanismos econômicos e políticos geradores da exclusão que lhes vitimou? Parece-nos ser bastante razoável que não. E especificamente em relação a isto não entramos no mérito de “para onde se vai ao se chegar ao poder”, mas o “porque se vai em busca disto”.

Mas é óbvio também que os liberais ortodoxos – pelo menos os mais esclarecidos, têm uma aguçada consciência de classe e sabem que é preciso mesmo caricaturar o século XX, seus atores e ideologias que tiveram mais protagonismo, desconsiderar as análises e lutas de outros pensamentos não experimentados neste século, de forma que reste, por gravidade, o liberalismo radical, sem luvas, como um paradigma aceitável. É uma postura desonesta intelectualmente, quase infantil.

O dogma empreendedorismo versus socialismo também foi debatido. Uma grande lição do século XX é que a única certeza que os socialistas devem afirmar é sua missão inequívoca na luta anticapitalista, de trabalhar na direção da superação deste modo de produção no que ele tem de estruturalmente inviável: sua tendência natural e inevitável à diminuição da taxa média de lucro, com todas as consequências daí derivadas. Dentro desta moldura deve estar a liberdade de empreender e também o mais amplo direito às liberdades individuais, políticas, civis, artísticas, enfim, a mais ampla democracia.

Como se constrói isto? É algo que os socialistas devem ter a humildade de reconhecer que está em construção, não existe receita pronta e nem modelo universal, e que, portanto, não se pode demonizar na realidade concreta propostas de reformas estruturais neste sistema, enquanto não se apresentam as condições objetivas para a realização plena de relações sociais de produção socialistas. Está claro que não se construirá um socialismo duradouro e saudável, também transitório é verdade, a partir de escombros e nas ruinas do velho capitalismo. Seria cair, de novo, nas armadilhas então inescapáveis do século XX.

Não foi tratado tanto disto no debate, mas é fácil ver nos sítios e blogs a pregação que os “libertários” fazem à unidade de ação entre supostos anarco-capitalistas e conservadores, para lutar contra o “comunismo” que está se construindo no Brasil. Se o apelo der certo, estarão juntos aí o Lobão, Olavo de Carvalho e talvez caberia até o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Ou seja, de libertário nada, apenas a exacerbação sem limite algum do mais puro individualismo liberal burguês.

Presidente do PSOL